
Vamos falar sobre violência? Segundo o dicionário, violência é a ação ou efeito de empregar força física ou intimidação moral contra alguém. Embora tenhamos avançado muito em relação às inovações tecnológicas, quando o assunto é respeito e civilidade, ainda estamos muito longe do ideal. Infelizmente, é uma pauta para discussão em Fóruns e Conselhos destinados aos cuidados dos menos favorecidos, seja pela condição financeira ou intelectual.
E, quando falamos sobre violência a crianças e jovens com deficiência, o cenário é mais preocupante. De acordo com pesquisa desenvolvida pelo jornal britânico The Lancet Child & Adolescent Health, nos últimos 10 anos, os números de casos de violência contra crianças e jovens com deficiência em todo o mundo aumentaram em 37,1%, apesar dos avanços em conscientização e políticas de inclusão no mesmo período. Estima-se que existam 291 milhões de crianças e adolescentes no mundo com algum tipo de deficiência – física ou intelectual – o que representa cerca de 11% desse grupo.
Eles sofrem violência física, emocional e sexual e são vítimas de negligência em taxas substancialmente mais altas do que aquelas sem deficiência. Conforme o levantamento, elas têm duas vezes mais chances de sofrer violência em comparação com as que não possuem. Estigma, discriminação, falta de informação sobre deficiência e de acesso a apoio social para cuidadores contribuem para esses altos níveis de violência.
O quadro é mais grave quando acrescentamos outros dois fatores: pobreza e isolamento social. Em geral, crianças com deficiência que vivem em países de baixa renda tiveram taxas mais altas de violência do que aquelas em países de alta renda – possivelmente, segundo o estudo, como resultado de acesso limitado a serviços de prevenção e apoio, níveis mais baixos de proteção legal e atitudes e normas que estigmatizam pessoas com deficiência e levam a uma maior tolerância social à violência. Segundo a publicação, mais de 94% desse grupo vivem em países de baixa e média renda.
A incapacidade de verbalizar ou de se defender tornam esses jovens alvos fáceis de práticas violentas. O estudo mostrou que as taxas gerais de violência variaram de acordo com a deficiência e foram ligeiramente mais altas entre crianças com transtornos mentais (34%) e deficiências cognitivas ou de aprendizagem (33%) do que entre crianças com deficiências sensoriais (27%), limitações físicas ou de mobilidade (26%) e doenças crônicas (21%).
Os tipos de violência mais relatados foram os emocionais e os físicos, vivenciados por cerca de uma em cada três crianças e adolescentes com deficiência. As estimativas sugerem que uma em cada cinco sofre negligência e uma em cada dez sofreu violência sexual.
O estudo também chamou a atenção para os altos níveis de bullying entre colegas, estimando que quase 40% dessas crianças tenham sofrido esse tipo de violência. O bullying presencial, como atos físicos, verbais ou relacionais, como bater e chutar, insultar e ameaçar ou exclusão social, é mais comum (37%) do que o cyberbullying (23%), praticado online.
Alguns sinais como quietude ou ansiedade são indícios de que a criança está envolvida em casos de violência física em casa, mas não necessariamente como vítima efetiva do ato violento. Em muitos casos, a violência é direcionada à mãe da mesma e ela presencia essas agressões, que acabam por afetá-la também.
Na região de Campinas, o maior problema que presenciamos em nossos atendimentos é a negligência dos responsáveis em relação aos cuidados necessários com a criança e o jovem com deficiência, como falta de atenção em relação à higiene ou às orientações terapêuticas. Embora não seja um ato explícito de violência, isso não deixa de agredir os direitos assegurados pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência à boa qualidade de vida dessa população.
Mas o que fazer em caso de violência contra o jovem ou criança com deficiência? O primeiro passo é informar o Conselho Tutelar Municipal imediatamente. Em Campinas, o telefone do conselho é o 0800 770 1085. A ligação é gratuita e o sigilo é absoluto. O segundo passo é conscientizar a sociedade até a exaustão de que esse é um problema a ser enfrentado sem demora, a partir do desenvolvimento/aplicação de políticas eficazes de combate e uma fiscalização rígida para coibir esse mal, com punições adequadas a cada ato praticado contra essas crianças e jovens.
Não podemos fechar os olhos para essa triste realidade!
Ana Paula Catusso e Elaine Félix são assistentes sociais da Casa da Criança Paralítica (CCP) de Campinas